terça-feira, 27 de outubro de 2009

A Argentina - embarcando nos "vôos da morte"

Considerada uma das mais sangrentas da América Latina, a ditadura militar na Argentina deixou, entre 1976 e 1983, um saldo de pelo menos 30 mil mortos - cerca de 0,12% da população média no período. Instaurada no governo de Maria Estela Martinez Perón, viúva do então falecido ex-presidente Juan Domingo Perón, o regime deixou também danos do ponto de vista econômico - como no Brasil. Em sete anos, a dívida externa saltou de 8 bilhões de dólares para 45 bilhões dólares, e o número de argentinos que viviam abaixo da linha da pobreza subiu 23%. “O país foi levado a um enorme retrocesso histórico, deixou de ser semi-industrializado para se transformar num país que vive das exportações agrárias. Há anos, o Produto Interno Bruto (PIB) da Argentina era superior ao brasileiro e, hoje, é inferior ao do Estado de São Paulo”, resume Osvaldo Cogiolla, professor de História da Universidade de São Paulo (USP).
Não só militantes de esquerda, mas opositores do regime militar, familiares e cidadãos muitas vez sem qualquer vinculação política foram torturados e erradicados por militares que agiam com a cumplicidade do Estado, causando o “desaparecimento” de dezenas de milhares de pessoas acusadas de subversivas. A campanha de detenção ilegal, tortura e assassinatos deflagrada durante o período ficou conhecida como “Guerra Suja”. Um dos métodos mais usados era o chamado “vôo da morte”, em que prisioneiros eram colocados em um avião e jogados no mar para morrerem afogados.
O declínio do regime veio com a fragorosa derrota militar em 1982, na Guerra das Malvinas, território cujo controle foi disputado com a Inglaterra. Uma soma de fracassos internos e externos do governo militar provocaram seu constante enfraquecimento até 1983, ano em que Raul Alfonsin foi eleito presidente. Os governos militares da América Latina - entre eles, os do Brasil, da Argentina, do Uruguai, do Chile e do Paraguai - montaram, durante a década de 1970, uma ação conjunta para aniquilar os adversários políticos, unificando seus aparatos repressivos. A ação foi financiada com dinheiro, apoio logístico e treinamento oferecido pelo governo dos Estados Unidos.
Em 1992, os documentos da polícia secreta do Paraguai vieram à tona, confirmando as denúncias da chamada Operação Condor, um acordo que legitimava a busca, captura, trocas de prisioneiros, torturas, desaparecimentos e mortes de cidadãos e cidadãs, independentemente de suas nacionalidades, dentro do território citado, o que violava qualquer direito jurídico que lhes fosse garantido.

Fonte: 07/04/2006 11:25 Tatiana Merlino
da Redação Agência Brasil de Fato

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Música relatando o período da ditadura militar no Brasil

Livros de Oposição

Escrito nas prisões pelas quais passou o seu autor entre os anos de 1972 e 1977, Poemas do Povo da Noite, de Pedro Tierra pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva, encarna bem o espírito, a forma, o conteúdo e o percurso do que chamo de “livros de oposição” – ou seja, livros editados nos anos 1970 e início dos anos 1980 no Brasil que tratavam de temas que punham em questão a ideologia, os objetivos e/ou os procedimentos do regime de 1964 ou, ainda, cujos autores faziam oposição ao governo. Entre estes, destacavam-se as obras escritas por ex-exilados e ex-presos políticos.

Boa parte desses livros era editada por editoras de oposição – editoras com perfil marcadamente político e ideológico de oposição ao governo militar. Compunham um universo que englobava desde editoras já estabelecidas – como Civilização Brasileira, Brasiliense, Vozes e Paz e Terra – até as surgidas naquele período – como Alfa-Ômega, Global, Brasil Debates, Ciências Humanas, Kairós, Codecri, Livramento, Vega, entre outras. Algumas destas editoras mantinham vínculos estreitos com partidos ou grupos políticos, alguns deles na clandestinidade, ou foram criadas por esses grupos. Outras não estabeleciam vinculações políticas orgânicas ou explícitas mas, por sua linha editorial, acabavam representando iniciativas políticas de oposição.

Das celas para as páginas
Hamilton Pereira da Silva, militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), foi preso em 10 de junho de 1972, quando tinha 24 anos, em Anápolis, Goiás, cidade próxima a Brasília. Era acusado de subversão e de atentar contra a segurança nacional. Submetido a longos períodos de tortura – aos quais ele costuma se referir como “interrogatórios” –, permaneceu cerca de três meses incomunicável em quartéis do Exército, em Goiânia e em Brasília.

Foi transferido de Brasília para São Paulo, onde esteve detido de março a outubro de 1973 na Oban/DOI-CODI (Operação Bandeirante/Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operação de Defesa Interna), na rua Thomaz Carvalhal esquina com rua Tutóia, um dos mais tristemente famosos centros de tortura do regime militar. Foi, então, enviado ao Presídio do Hipódromo, depois à Casa de Detenção no Carandiru, à Penitenciária do Estado de São Paulo e ao Presídio do Barro Branco. Condenado inicialmente a 12 anos de reclusão – incluindo 1 ano de “medida de segurança detentiva” –, sua pena foi fixada, após recurso, em cinco anos. Ele somente foi solto em 10 de março de 1977, após cumpri-la integralmente[1].

Desde 2003, Hamilton Pereira é presidente da Fundação Perseu Abramo, instituição vinculada ao Partido dos Trabalhadores.

Leitor e apreciador de literatura desde a adolescência em Porto Nacional (na época município de Goiás, hoje integra o estado do Tocantins), Hamilton encontrou na poesia uma maneira de se manter vivo e lúcido na cadeia, uma forma de resistência e de possível comunicação com o mundo exterior.

Como registra Emiliano José, Hamilton tinha a

capacidade de viver poesia, de mergulhar na tragédia e nas dores humanas depois de experimentá-las na própria carne. Pedro Tierra até hoje se considera um sobrevivente, e o solo fundamental de sua sobrevivência foi a poesia – é até hoje. “Era, então, a maneira de poder me olhar no espelho sem enlouquecer.” Era como se ele dissesse, de si para si: a humanidade não pode ser isso que estou vendo aqui. Os versos construíam outra humanidade, ou o faziam divisar outra face do humano, não a do terror.[2]

Seus poemas descrevem os duros momentos passados pelos presos políticos, as torturas, a morte de muitos deles e a luta pela vida dos que resistiram às sevícias. São poemas em que palavras como “sangue”, “morte”, “luta” e “companheiro” aparecem com freqüência. A homenagem a companheiros mortos é também uma tônica do livro – dos 60 poemas do volume 17 são desse tipo. O “Poema – Prólogo” é uma boa síntese de sua obra escrita na prisão:

Fui assassinado.

Morri cem vezes

e cem vezes renasci

sob os golpes do açoite.



Meus olhos em sangue

testemunharam

a dança dos algozes

em torno do meu cadáver.



[...]

Fui poeta

do povo da noite

como um grito de metal fundido.



Fui poeta

como uma arma

para sobreviver

e sobrevivi.



[...]

Porque sou o poeta

dos mortos assassinados,

dos eletrocutados, dos “suicidas”,

dos “enforcados” e “atropelados”,

dos que “tentaram fugir”,

dos enlouquecidos.



Sou o poeta

dos torturados,

dos “desaparecidos”,

dos atirados ao mar,

sou os olhos atentos

sobre o crime.



[...]

meu ofício sobre a terra

é ressuscitar os mortos

e apontar a cara dos assassinos.

[...]

Venho falar

pela boca de meus mortos.

Sou poeta-testemunha,

poeta da geração de sonho

e sangue

sobre as ruas de meu país.

No começo, era muito difícil para ele escrever na cadeia. Além de toda a violência da prisão – não só física, mas também psicológica –, não havia lápis nem papel. “Em um intervalo de interrogatório, me deixaram sozinho na sala. Vi que havia um lápis numa mesa. Guardei-o comigo e o levei para a cela. Com ele escrevi meus primeiros poemas na prisão, em papel de maço de cigarros”, conta Hamilton.

Primeiro, tentou remeter os poemas para seus familiares e amigos por meio de cartas, mas como estas eram submetidas a censura antes de serem enviadas, os poemas acabavam não chegando a seus destinatários. Bolou então um estratagema. Nas cartas, dizia que havia lido em alguns livros que existiam na prisão certos poemas de um autor chamado Pedro Tierra – provavelmente latino-americano – dos quais gostara muito, e os reproduzia nas cartas. Nascia assim o pseudônimo com que assinaria os poemas e o livro que primeiro os reuniria, publicados quando o autor ainda estava preso: Poemas do Povo da Noite.

Depois, foi necessário outro expediente para enviar os poemas para fora da prisão: escrevia-os em papel de cigarros que eram colocados dentro de canetas, junto com a carga das mesmas.

“O advogado Luiz Eduardo Greenhalgh visitava os presos políticos quase semanalmente. Numa das ocasiões, levou duas canetas Bic escrita fina. Estas canetas, que são vendidas até hoje, são amarelas por fora, não permitindo ver a carga em seu interior. Ele deixou uma das canetas comigo. Na semana seguinte, entreguei a ele a caneta que havia ficado comigo, e enrolados na carga estavam dois poemas meus escritos em papel de cigarro, com letra bem pequena. Ele me deixou a caneta que estava com ele, para na semana seguinte repetirmos a operação. Assim saíram muitos dos poemas que compõem o livro”[3].

Isso passou a ocorrer a partir do segundo semestre de 1974[4]. Greenhalgh – na época advogado de vários presos políticos e atualmente deputado federal pelo PT de São Paulo – também recorda o caso:

Perguntei ao Hamilton se já havia feito alguma coisa com as poesias. Ele disse que não, pois não havia segurança para que elas saíssem da prisão. Então propus que ele fosse me dando os poemas aos poucos, eu os datilografaria e veríamos a possibilidade de montar um livro de poesias. E assim foi, com o recurso da troca de canetas durante minhas visitas aos presos.[5]

Greenhalgh lembra que quando retirava das canetas as folhas nas quais estavam escritos os poemas, sua esposa passava-as com ferro de engomar para que as elas ficassem planas, e depois datilografava as poesias.

A primeira edição
A primeira edição[6] dos poemas de Hamilton Pereira/Pedro Tierra, ainda artesanal e não comercial, foi feita provavelmente em 1975 e organizada pelo advogado Greenhalgh, responsável, como vimos, pela saída do presídio da maior parte dos poemas que formariam o livro Poemas do Povo da Noite. Foi ele quem primeiro reuniu os poemas em uma pasta e apresentou-os a um grupo de pessoas que apoiava os presos políticos e seus familiares em São Paulo. Este grupo tinha também como objetivo apoiar politicamente a atuação de D. Pedro Casaldáliga na prelazia de São Félix do Araguaia.

Este grupo se reunia sob a proteção de Madre Cristina no Instituto Sedes Sapientae, na rua Caio Prado[7]. Durante muito tempo foram reuniões clandestinas. Dali surgiu um dos núcleos que dariam origem ao movimento pela anistia.

“Falei para o grupo sobre as poesias, quando já tinha um certo número delas reunidas e datilografadas, e apresentei a idéia de que talvez pudéssemos fazer um livro”, recorda Greenhalgh. Segundo ele, as ilustrações de Pepe, que saíram em todas as edições do livro, surgiram neste momento, pois Pepe, um jovem artista espanhol que então viva no Brasil, era amigo de uma das pessoas do grupo, e por intermédio dessa pessoa tomou conhecimento dos poemas e fez as ilustrações. Foi Greenhalgh quem também pediu a D. Pedro Casaldáliga que fizesse o prefácio para o livro de Hamilton Pereira[8].

“A primeira edição foi feita à mão, saiu assinada com o pseudônimo Pedro Tierra e com os desenhos do Pepe feitos em papel sulfite. Fizemos xerox desse livro para distribuir. Eu tenho o original em meus arquivos”, afirma Greenhalgh.

Esta edição teve circulação reduzida e semiclandestina, xerocada ou mimeografada e distribuída de mão em mão[9]. Não obtive informação de quantos exemplares podem ter sido feitos. O autor, Hamilton Pereira, ainda estava preso quando esta edição foi publicada.

Após esta primeira edição, entra em cena um personagem que terá grande importância para a difusão dos poemas de Pedro Tierra: o padre italiano Renzo Rossi.

De acordo com Greenhalgh, o padre Renzo, que atuava na Bahia e lá dava assistência pastoral a presos políticos, iniciou contato com os presos políticos de São Paulo, pois também queria ajudá-los. Passou então a visitar os presos políticos no Presídio do Barro Branco, entre os quais Hamilton. “Quando o padre Renzo, uma pessoa de coração enorme, viu os poemas dele ficou muito impressionado e pediu para traduzi-los para o italiano”, diz Greenhalgh[10].

A primeira visita do padre Renzo em São Paulo foi a Paulo Vannuchi, no Presídio do Barro Branco, no final de 1975[11]. Mas foi a partir de julho de 1976 que essa atividade se intensificou. No dia 17 daquele mês, Renzo inicia uma série de visitas aos presos do Barro Branco, que se desenvolverão e resultarão em profundo envolvimento do padre, em particular com alguns presos. Esta visita do dia 17 de julho de 1976 está descrita em detalhes no livro As asas invisíveis do padre Renzo, de Emiliano José. É nessa ocasião que ele conhece Hamilton Pereira e seus poemas, e “fica emocionado ao ler os versos manuscritos de Pedro Tierra”[12].

Emiliano José diz que “Renzo se impressionará tanto com as poesias de Pedro Tierra [...] que passou a reproduzi-las em mimeógrafo, encadernar e distribuir Brasil afora”[13].

Ou seja, o padre Renzo parece ter começado a fazer por conta própria a reprodução e distribuição da edição já existente de Poemas do Povo da Noite, organizada por Greenhalgh, que antes era feita apenas pelo grupo de apoio aos presos políticos, dando ao volume um alcance maior no que diz respeito à circulação, inclusive levando-o para o exterior.

Não resta dúvida do papel de Renzo na divulgação dos poemas. Como lembra Hamilton Pereira, “Ele era um entusiasta, distribuía meus poemas como quem distribuía panfletos”.

“Ele virou um semeador da poesia na Idade do Terror”, diz o poeta, ao relembrar a atitude de Renzo de entregar suas poesias a militantes, amigos, familiares. Pedro Tierra se tornou conhecido nos tempos das catacumbas e pelos métodos subterrâneos próprios desses períodos, e pelas mãos de um sacerdote.[14]

Fonte: Revista Espaço Acadêmico /2005

A DITADURA E AS COXINHAS - Crônica

Fui desses adolescentes que atormentam as namoradas esguias, por uma transadinha. Não conseguindo, apelam forjando expressões humildes e desesperadas que abrigam argumentos como: "Então me deixe botar nas coxinhas; por favor... Só nas coxinhas!". Aí as meninas levantavam as saias - quase sempre eram saias -, para serem lambuzadas pelo prazer que não sentiam. Algumas vezes minha consciência gritou, sem que minha voz confessasse o peso. Com o tempo, acabava gostando da situação. Eu tinha o meu prazer, elas sabiam que não teriam o seu e se resignavam. Era cômodo para mim, porque não envolvia perigo e responsabilidade. Não haveria uma gravidez me obrigando a ser homem, nem o meu machismo teria de ser provado num desempenho que levasse à satisfação total da parceira. Sequer havia parceira. Havia coxinhas.
A relação entre povo e poder público, depois da ditadura militar, é um tanto parecida. Quando perceberam que a repressão aberta já os expunha ao perigo e exigia grandes responsabilidades, os políticos brasileiros acabaram recuando. O que pareceu uma vitória de artistas, universitários e intelectuais engajados na luta pela democracia foi apenas uma retirada estratégica dos ditadores. A ditadura estava gerando filhos rebeldes . Dando fama, fortuna e prestígio a opositores ousados e criativos. Tinha crises de impotência e já não se auto-explicava perante o mundo, por causa da truculência com que tangia o país. Tangia mesmo. Não regia.
Ditadores não querem dar prazer. Apenas tê-lo. Como descobriram que a democracia é mais eficiente neste quesito, resolveram travesti-la. Governos democráticos não precisam parecer super-homens, deixam o povo e seus líderes latirem à vontade e tocam suas carruagens de mentiras, ganância e corrupção. Eles matam sorrindo, poetizam a fome, a vilolência urbana, a falta de cultura e educação. Regimes democráticos não levantam Chicos, Caetanos, Vandrés, Brizolas e Gabeiras, e ainda conseguem amansar os "companheiros" menos convictos... os Luízes Inácios, que só assim chegam ao trono, dispostos a manter a ditadura risonha e sem farda.
Eis aí a democracia: É a ditadura que bota nas coxinhas, lambuzando a sociedade passiva que não goza, não sente nada de bom e não tem como lutar contra o que não existe. Os ditadores têm ponto fraco: Você os enfurece, fá-los perder a compostura e deflagrar sua truculência, mostrando quem são. Já os ditos democráticos, só matando: Não têm vergonha na cara; nada os atinge. A justiça internacional não os vê. Só as nossas coxinhas os conhecem... não. Não apenas as coxinhas. Também os conhecem nossos estômagos vazios, nossa indignação inofensiva, nosso temor do futuro e tudo o mais que não toca, não sensibiliza nem acorda suas consciências... que consciências?

Demétrio Sena

Muda essa postura!!!!!!!!!!!!!!!!!

De geração em geração ..todos no bairro já conhecem essa lição!!

Olha o que a censura fez!