quinta-feira, 22 de março de 2012

A Vida no sertão: Fazendeiros de Gado, Vaqueiros e "Fábricas"



A expansão pastoril propiciou o surgimento de um novo tipo de colono, o fazendeiro de gado. Em média cada fazenda possuía três léguas de comprimento por uma de largura, sem cercas e separadas por uma légua de terras que permaneciam sem donos. No entanto, a facilidade na obtenção de terras, muitas vezes recebidas como sesmarias, determinou a concentração de imensas propriedades nas mãos de um só dono. Conforme registro do padre jesuíta Antonil, "o sertão da Bahia quase todo pertence a duas das principais famílias da mesma cidade, que são a da Torre (os d'Ávila) e a do defunto mestre-do-campo Antônio Guedes de Brito". Os d'Ávila, os senhores da Casa de Torre, chegaram a ter dúzias de fazendas na margem esquerda do São Francisco, enquanto os herdeiros de Guedes de Brito ocupavam a margem oposta até o rio das Velhas.

Garcia d'Ávila, patriarca da família, chegou à Colônia com o primeiro governador-geral, Tomé de Sousa, de quem recebeu sesmaria, iniciando sua criação com duzentas cabeças de gado. À medida que o rebanho cresceu recebeu mais terras para pastagens. Os d'Ávila tornaram-se grandes proprietários de terra e ficaram conhecidos como os senhores da Casa da Torre, por habitarem uma construção imponente em forma de castelo, cujas ruínas ainda demonstram a sua grandiosidade.

Montar uma fazenda não exigia grandes investimentos. As instalações eram simples. Bastava uma pequena casa coberta de palha, currais e algumas cabeças de gado. A mão-de-obra era reduzida. Era formada pelo vaqueiro e seus auxiliares, "os fábricas". O proprietário em geral morava longe, às vezes em seu engenho no litoral e mantinha pouco contato com sua propriedade. O vaqueiro dirigia a fazenda recebendo ¼ das crias ao final de cinco anos.

Recebendo em cabeças de gado, alguns vaqueiros conseguiram instalar-se por conta própria em terras adquiridas ou arrendadas aos grandes senhores de sesmarias do sertão. Assim formavam seu curral. Criavam-se também cavalos, indispensáveis aos vaqueiros que precisavam percorrer grandes distâncias para tomar conta do gado que vivia solto.

Desenvolveu-se a pecuária extensiva, que não necessitava de terras apropriadas e nem exigia pessoal treinado. Os "fábricas", subordinados aos vaqueiros, cuidavam dos rebanhos e mantinham roças para sua subsistência. Recebiam, às vezes, uma pequena remuneração anual. Eram homens livres, índios, mamelucos, mestiços e negros libertos. Houve poucos trabalhadores escravos na atividade pastoril nordestina.

A vida dos ocupantes do sertão era difícil. Abundância só de carne e leite. Usavam o leite coalhado ou como queijo, apenas para o próprio consumo, sem comercializar o produto. A farinha, de mandioca, legado dos indígenas, juntou-se à carne,originando a paçoca, ainda hoje consumida pelos vaqueiros.



A região pastoril do Nordeste abastecia a região açucareira, principalmente Bahia e Pernambuco. Boiadas de 100 a 300 cabeças percorriam o sertão em busca dos centros de consumo. Consumia-se a carne fresca e a carne-seca, também chamada carne-do-ceará, que se tornou um dos produtos mais importantes do comércio interno da Colônia.

O couro era exportado sob a forma de solas, e servia também para embalar o fumo destinado à exportação. Usava-se o couro para quase tudo. Capistrano de Abreu observou que os sertanejos atravessaram a "época do couro", tal a sua importância na fabricação de roupas e de instrumentos necessários à vida dos vaqueiros. Era de couro tudo o que os cercava: a porta das cabanas, leitos, cordas, cantil, alforje, mochila, bainhas de faca e até as roupas com que enfrentavam a caatinga. Até hoje, em muitas regiões, os vaqueiros conservam o costume de se vestirem de couro.�



A vida desses heróis do campo não é nada fácil. Esse personagem típico do sertão, o vaqueiro ainda hoje mantém tradições e bravuras herdadas dos tempos da “civilização do couro”. A lida do vaqueiro atrás dos rebanhos nessa terra de ninguém foi elemento formador de cidades, base de alimentação e motivadora de rituais, festas e mitos. O que mais chama a atenção é a vestimenta ou gibão de couro, feita por vaqueiros que passam a tradição de pai para filho. Essa vestimenta inclui chapéu, guarda-peito, luvas, perneiras como proteção contra os espinhos da caatinga. O couro é usado para quase tudo- das solas dos sapatos a bolsa para embalar o fumo. Na época colonial, o couro era ainda matéria-prima para portas de cabanas, leitos, cordas, cantil, alforjes, mochilas, bainhas de faca. Os animais são ferrados com um ferro bem quente para identificação, lembrando que cada animal carrega a marca do seu dono. A tradição herdada dos tempos da colônia registra que, uma vez por ano, geralmente com a chegada do inverno, os vaqueiros recolhem os bois as propriedades para identificá-los e separá-los. O reconhecimento dos animais é feito, quase sempre, pelas marcas dos ferros no couro dos bichos. Eles servem de assinatura dos proprietários. Como não poderia deixar de ser, os vaqueiros tem a sua alimentação a base de carne e leite. Usam o leite coalhado ou com queijo para o próprio consumo. A vida desses heróis do sertão é difícil ate de mais. Toda a sua vida gira em torno do couro. Nas fazendas, a primeira tarefa é tirar leite das vacas, com o bezerro amarrado junto ao corpo da mãe- para que ele “libere o leite”. A vida dos vaqueiros de hoje não difere da de antigamente. Correr atrás do animal desgarrado faz parte do seu dia a dia. No Nordeste brasileiro esta prática é bastante comum ver por estradas de terras esses homens vestidos de roupa de couro correndo atrás das reses, ariscando sua vida em plena caatinga, de árvores espinhentas e cheias de surpresas. Como dizia o escritor, Euclides da Cunha em seu livro Os Sertões, “o vaqueiro atravessa a vida entre ciladas, surpresas repentinas de uma natureza incompreensível, e não perde um minuto de trégua”.

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